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COMUNICADO: O Blog Chaminé encerrou suas atividades em 31/12/2009.

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quinta-feira, 31 de dezembro de 2009





Neste último dia de postagem do Blog Chaminé, rendemos homenagem ao escritor e jornalista cearamirinense, cujo centenário de nascimento celebramos recentemente: NILO PEREIRA. A seguir, reproduzimos o discurso do seu sucessor na Cadeira 19 da Academia Norteriograndense de Letras, Murilo Melo Filho, proferido por ocasião da Sessão Magna Comemorativa a data.  O texto nos chegou através do Dr.Geraldo Pereira, filho de Nilo, residente em Recife, a quem agradecemos.


* SENHOR PRESIDENTE DIÓGENES DA CUNHA LIMA.
*SENHOR SECRETÁRIO DE ESTADO DA EDUCAÇÃO, RUI PEREIRA, REPRESENTANTE DA GOVERNADORA WILMA DE FARIA.
* SENHORA e SENHORES ACADÊMICOS.
* SENHORES MEMBROS DA MESA.
* SENHORA PROFESSORA LÚCIA HELENA PEREIRA.
* MINHAS SENHORAS e MEUS SENHORES.
* MINHAS AMIGAS e MEUS AMIGOS.
* MINHAS QUERIDAS IRMÃS ELMA, ILMA E ANA EMÍLIA.
Certo dia, há 15 anos, eu estava posto em sossego, se é que isto era possível, naquela tumultuada redação do jornal “Tribuna da Imprensa”, liderado por Carlos Lacerda, quando tocou o telefone.
Era o Acadêmico Enélio Petrovich, que me dizia o seguinte:
– Murilo. Acaba de morrer no Recife o nosso Confrade Nilo Pereira e está aberta uma vaga na cota dos Acadêmicos não residentes em Natal, uma cota na qual já se tinham elegido antes, entre outros: Miguel Seabra Fagundes, Peregrino Júnior, Umberto Peregrino, Adauto da Câmara, Deoclécio Duarte, José Augusto Bezerra de Medeiros, e também na qual se elegeriam depois: Nestor dos Santos Lima, Fagundes de Menezes e Sílvio Pedroza.
– Acrescentava Enélio:
“Acho bom você candidatar-se logo, porque esta vaga é sua, e você tem de eleger-se por unanimidade”.
Mantive então os primeiros contatos com os Acadêmicos Diógenes da Cunha Lima, Enélio Petrovich, Alvamar Furtado, Paulo Macedo e os meus primos Veríssimo de Melo e João Wilson Mendes Melo, sobre a minha candidatura à vaga do saudoso Nilo Pereira.
E consultei-os sobre a possibilidade de o meu nome ser aceito e viabilizado dentro de uma fórmula de consenso.
Sim, porque esta era a única exigência que eu e Enélio desde logo fazíamos: a de que o meu nome fosse aceito por todos os Acadêmicos, sem a preterição de nenhum outro candidato.
Escrevi, então, uma carta-consulta a cada um deles e as respostas que de todos recebi foram tão comoventes e calorosas que me deram logo a esperança de que poderíamos atingir – como realmente atingimos – o objetivo de uma carinhosa unanimidade.
Devo ponderar que, em matéria de eleições acadêmicas, estas soluções unânimes nem sempre são muito comuns ou freqüentes.
SENHORA e SENHORES ACADÊMICOS.
Dir-se-ia até que, com aquela exigência da unanimidade, eu estava adotando o UNANIMISMO, uma escola literária fundada por John dos Passos nos Estados Unidos e por Jules Romain, na França, que se dispunha a resgatar, em pleno Século 20, os sentimentos unânimes de importantes grupos humanos, como é o caso desta Academia Norte-Rio-grandense de Letras.
Tomei posse, então, durante uma solenidade e uma noite simplesmente inesquecíveis, sob a presidência de V. Excia., Senhor Presidente Diógenes da Cunha Lima, realizada no Teatro Alberto Maranhão, repleto em todas as suas cadeiras, desde a platéia, até os camarotes e as gerais, quando fui saudado num comovente discurso do saudoso Acadêmico Alvamar Furtado, que terminou suas palavras numa incrível e surpreendente premonição. Dizia ele:
– Com a sua posse, nesta noite, Murilo não apenas atende ao convite de Enélio Petrovich, como dá o primeiro passo na caminhada que certamente terminará na Academia Brasileira de Letras.
Cinco anos antes, ao fazer essa previsão, Alvamar nem de longe sabia como ela, para confirmar-se, seria tão penosa, tão trabalhosa e tão sofrida.
Porque, assim como acontece aqui na Academia Norte-Rio-grandense de Letras, também lá, na ABL, em escala muito maior, é bastante difícil vencer uma eleição.
Só Deus sabe o quanto.
O Presidente Juscelino Kubitschek, em vida, me dizia o seguinte:
– Murilo. Eu consegui o voto de 3 milhões e 500 mil brasileiros que me elegeram para a Presidência da República. E não consegui o voto de 20 acadêmicos, que não me elegeram para a Academia Brasileira de Letras.
Ele foi derrotado: teve 19 votos contra 20 = a metade mais um dos 39 votantes = dados a Bernardo Elis, um modesto contista lá de Goiás.
JK achava mais fácil ter se elegido Presidente da República do que se eleger Acadêmico. E essa sua derrota amargurou muito os seus últimos anos de vida.
MINHAS SENHORAS e MEUS SENHORES.
Quando cheguei ao Rio, ido aqui de Natal, eu costumava assistir às posses cerimoniosas dos Acadêmicos Barbosa Lima Sobrinho, José Américo de Almeida, José Lins do Rego, Rachel de Queiroz, Jorge Amado e Pedro Calmon, como membros da Academia Brasileira de Letras.
Aquele era um espetáculo que muito me fascinava. E certo dia, numa dessas posses, eu estava com minha mulher Norma, esta admirável companheira e conterrânea aqui de Natal, sentada ao meu lado e lhe perguntei o seguinte:
– Quem sabe, Norma, se eu, algum dia, não chegarei aqui?
E no ano de 2.000, cinquenta anos depois, cheguei, eleito pelo voto livre, generoso, soberano e independente, de 24 acadêmicos, logo no primeiro escrutínio e na minha primeira vez em que me candidatava (o que não era muito freqüente de acontecer) e assumindo um mandato, que, como o de Vossas Excelências aqui, não tem prazo para terminar, porque é vitalício.
(Talvez por isto mesmo nos chamem de “imortais”, mas infelizmente ainda não “imorríveis).
Podem todos imaginar o quanto eu me sentia feliz e realizado, porque há meio século eu ambicionava aquela Academia, eu a cultivava e sonhava com ela.
(Dizem, aliás, que as coisas na vida, ambicionadas, cultivadas e sonhadas, quando conquistadas, têm um sabor todo especial).
SENHORAS e SENHORES ACADÊMICOS.
Retornando agora ao plano estadual e tomando posse como vosso companheiro na Cadeira 19, desta Casa de Câmara Cascudo, pude então proclamar que tinha a suprema felicidade de transpor os umbrais daquele Teatro e desta Academia com 33 votos a favor e nenhum contra, dados pela generosa unanimidade dos Acadêmicos, para atender, inclusive, à condição “si ne qua non”, exigida por Enélio.
Quando, cinco anos depois, eu me candidatei e me elegi para a Cadeira número 20 da Academia Brasileira de Letras, o Acadêmico e meu irmão Arnaldo Niskier comentou na sua saudação:
– Passando da Cadeira 19 em Natal para a Cadeira 20 aqui no Rio, eu só quero saber onde o Murilo vai parar”.
SENHORA e SENHORES ACADÊMICOS.
Três grandes intelectuais haviam honrado, antes de mim, esta Cadeira 19.
O poeta Ferreira Itajubá foi o Patrono. O Professor Clementino Câmara foi o primeiro ocupante. O Jornalista Nilo Pereira foi o segundo, sobre o qual falarei mais adiante. E eu, também jornalista, fui o terceiro ocupante e espero sê-lo, como tenho sido até hoje, por muitos anos ainda, com a graça e a ajuda de Deus.
Esta 19 é uma cadeira harmoniosa, unida e contínua. Justamente na harmonia da sucessão dos ocupantes de cada cadeira reside o verdadeiro segredo da perenidade das Academias e da perpetuidade dos acadêmicos.
Um poeta, um professor e dois jornalistas.
Falarei em seguida um pouquinho sobre cada um deles, abusando da paciência de V. Excias. e começarei pelo poeta, que foi também o primeiro.
De acordo com Veríssimo de Melo, o Patrono Ferreira Itajubá foi “um menestrel indígena, modinheiro inveterado, cantando em serenatas, escrevendo sonetos do mais puro sabor bocageano, alimentando-se de lua e vivendo de saudade”.
E eu acrescentaria:
– Da lua de Shakespeare e da saudade de Renan.
Sua poesia não tinha polimento, nem lapidação – porque, segundo Cascudo, Itajubá frequentemente se esquecia da gramática e do vernáculo. Sua poesia se compunha de quadrinhas, sextilhas e oitavas, que emanavam espontaneamente do seu imenso coração, densas, versáteis, imaginosas, saudosistas, românticas, amorosas, retóricas, pessoais e carinhosas.
Manoel Virgílio Ferreira, também conhecido como Azinho, só depois, já adulto, iria incorporar o referencial e o sobrenome de Itajubá.
Boêmio, irrequieto, genioso, combativo, lírico, cético, irônico, utópico et messiânico, o nosso Patrono, além de poeta e jornalista, foi também orador popular, professor, auxiliar de escritório, esportista, escrevente de Praticagem, inspetor do Ateneu, agitador socialista, partidário de José da Penha, aprendiz de pintor, líder operário, pregador protestante, um artista de circo, onde fazia de tudo: diretor, empresário, domador de feras e acrobata.
Conseguiu ser tudo isto em apenas 35 anos de uma vida atípica. Parecia até que tinha pressa em viver e cuidou de exercer o maior número possível de profissões, no menor espaço de tempo.
Existiram e conviveram vários Itajubás dentro de um só.
Pois ele foi ainda um empinador de papagaios, um fogueteiro e um fabricante de busca-pés, organizando a famosa “Divisão Branca”, pela qual participou do primeiro desfile de Carnaval, realizado aqui na Cidade, na Avenida Tavares de Lira, com uma fantasia de romano e uma coroa de louros.
Aí um popular, ao reconhecê-lo, saudou-o efusivamente:
-Aí, Apolo.
E ele reagiu, energicamente:
– Apolo, não. Eu sou Nero, seu burro.
Um dos enredos carnavalescos, que escreveu para três atos, não tinha o terceiro, porque todos os personagens morriam no segundo.
Certa vez, o poeta Ferreira Itajubá estava num dos últimos bancos do bonde, quando se sentaram ao seu lado duas senhoras suficientemente gordas para fazerem o banco desabar com tanto peso.
E Itajubá, muito irônico, comentou:
– Esta é a primeira vez na vida que vejo um banco quebrar por excesso de fundos.
Sua musa foi uma noiva de nome Branca, que nunca existiu, pois era apenas uma ficção abstrata de sua prodigiosa imaginação. Cantou-a nos versos imortais do seu poema “Terra Natal”, onde a amada lembra a Julieta, de Shakespeare; a Evangelina, de Longfellow; a Eleonora, de Tasso; a Ana Karenina, de Tolstoi; a Fornarina, de Rafael Sanzio e a Beatriz de Dante Alighieri.
Num verso em homenagem à sua “Terra Mater”, escreveu Itajubá:
“Natal é um vale branco entre coqueiros,
Logo que desce a luz das alvoradas,
Vão barra a fora as velas das jangadas,
Cessam no Potengi as trovas dos barqueiros”.
No seu livro, “Harmonias do Norte”, revelou-se um discípulo dos trovadores da Provença e um seguidor de Frederico Mistral.
Morreu em 1912, na Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro.
Henrique Castriciano e Eloy de Souza fizeram o traslado dos seus ossos para Natal e os depositaram num ossuário da Matriz de Bom Jesus das Dores, ali, na Ribeira. Tencionavam construir-lhe um Mausoléu. Mas, um vigário da Paróquia, o Frei André, alemão, ao remodelar a igreja, juntou todos os ossos que foi encontrando e os enterrou numa vala comum.
MINHAS SENHORAS e MEUS SENHORES.
Sobre o Professor Clementino Câmara, primeiro Ocupante desta nossa Cadeira, posso dizer que ainda hoje tenho bem viva na minha memória a sua imagem sempre presente na Escola Normal e ali no Ateneu da Rua Junqueira Aires, com seu inseparável charuto.
A ele devo tudo quanto, ainda hoje, sei da História do Brasil.
Começando a ensinar aos 18 anos de idade, ele foi um mestre, atento, cuidadoso e honesto, que inscreveu o seu nome na história do Magistério e da Educação do Rio Grande do Norte.
Adepto fanático do estilo clássico, na forma e no conteúdo literários, era também um arquiteto das frases bem construídas, que costumava pronunciar, escandindo bem as sílabas, num estilo objetivo, franco e direto.
Serralheiro, operário e jornalista, teve a coragem aqui em Natal, na década de 40, de ser um líder da Maçonaria.
Certo dia, um aluno fez um gesto grosseiro para D. Hilda, sua mulher. E apesar de ter pedido desculpas, foi expulso da sala pelo Professor Clementino.
Esse aluno, muitos anos depois, chegaria a Presidente da República. Chamava-se João Café Filho.
SENHOR PRESIDENTE.
Quís o destino, nas suas curiosas urdiduras e coincidências, que, nesta Cadeira 19, além de Ferreira Itajubá e de Clementino Câmara, eu sucedesse também a Nilo de Oliveira Pereira, escritor como eu, jornalista como eu, católico praticante como eu, potiguar e nordestino como eu, exilado e saudoso, como eu, da terra e do povo do Rio Grande do Norte.
Ele do seu Guaporé e do seu Ceará-Mirim.
Eu, do meu querido bairro do Tirol e da minha amada Cidade de Natal, onde vivi até os 18 anos de idade, na companhia do meu pai, Murilo Melo, de quem herdei não apenas o nome, mas também um legado de muita correção, dignidade e honradez e da minha mãe, Hermínia, uma corajosa heroína, a braços com a educação de mais três filhos: Herilo, Hênio, Eduardo e de mais três filhas: Elma, Ilma e Ana Emília, aqui presentes. (palmas).
Pertencemos nós dois – Nilo e eu – à mesma categoria dos desterrados da terra natal, mas que por isto mesmo se sentiram sempre irmanados neste exílio e neste acendrado amor pelo nosso Estado e pelo Nordeste.
Nilo Pereira foi um católico que harmonizou a Fé e a Razão, sem o menor ranço de sectarismo ou de dogmatismo religiosos.
Amigo, no “Centro Dom Vital”, de Alceu de Amoroso Lima, Sobral Pinto, Jackson de Figueiredo e do Padre Leonel Franca, Nilo formou o seu universo na boa escola tomista, da “Suma Teológica”, de São Tomás de Aquino; das “Confissões” de Santo Agostinho e do “Cântico ao Sol”, de São Francisco de Assis.
Leitor apaixonado de Paul Claudel, Jacques Maritain, Léon Blois, Charles Péguy, André Malraux, François Mauriac e Georges Bernanos, pertencia com eles a uma geração de líderes renovadores da Igreja Católica.
Nilo Pereira nasceu no dia 11 de dezembro de 1909, há 100 anos, portanto, que se comemoram nas próximas semanas, e que já estamos homenageando esta noite.
Seu berço foi o Engenho “Verde Nasce” e educou-se no Engenho “Guaporé”, ambos no seu saudoso Ceará-Mirim.
Estudou na Escola do Comércio em Natal, mas formou-se pela Faculdade de Direito do Recife, de cuja turma foi o orador. Seu discurso impressionou tanto que o então Interventor Agamenon Magalhães o convidou para ocupar funções relevantes na vida pública de Pernambuco: Secretário de Educação e Secretário do Governo, por três vezes; deputado estadual e líder da maioria na Assembléia Legislativa do Estado, durante três anos.
Foi redator-chefe da “Folha da Manhã” e trabalhou no “Jornal do Commercio”; no “Jornal Pequeno”; na “Tribuna” e no “Diário de Pernambuco”, do Recife.
Escreveu em “O Jornal” e no “Jornal do Commercio”, do Rio de Janeiro; em “O Liberal” de Belém do Pará; em “A União”, de João Pessoa; no “Diário”, na “República”, no “Estado”, no “Poti” e na “Tribuna do Norte”, aqui de Natal.
Foi Presidente do Instituto Histórico de Pernambuco, deixando centenas de crônicas e 34 livros publicados, entre os quais:“Camões e Nabuco”; “Dom Vital e a questão religiosa”; “Gilberto Freyre, visto de perto”; “Mauro Mota e o seu tempo”; e “Iniciação ao jornalismo”.
Casou-se com D. Lila e teve seis filhos: Geraldo, que aqui não pôde comparecer por motivo de força maior, Maria Beatriz, Roberto, Tereza, Eliana e Fátima.
Nesta Academia, sucedendo a Clementino Câmara, foi recebido num brilhante discurso por outro grande Acadêmico, Edgar Barbosa, segundo o qual “Nilo guardava, como Joaquim Nabuco, a perene lembrança dos balouçantes canaviais da sua terra e o cheiro do mel ainda fumaçante”.
Conviveu com uma rica geração de pernambucanos famosos: Etelvino Lins, João Roma, Barbosa Lima Sobrinho, Gilberto Freyre, Lula Cardoso Ayres, Francisco Brennand, Nelson e Ascenso Ferreira, Capiba, Antônio Maria, Fernando Lobo, Aluízio Magalhães, Cícero Dias, os “Coronéis” Chico Heráclito e Chico Romão, Rubens Moreira, Augusto Rodrigues, Waldemar de Oliveira, Andrade Lima, Aderbal Jurema, Pessoa de Queiroz, Armando Monteiro, José Ermírio de Moraes, os nossos Confrades João Cabral de Melo Neto, Mauro Mota, Marco Maciel, Álvaro Lins e Marcos Vilaça.
O Professor e Acadêmico Américo de Oliveira Costa escreveu:
– Nascido no Engenho de nome “Verde Nasce”, onde verde nasceu e passando a infância no Engenho “Guaporé”, onde viveu o seu mundo submerso, renaniano, Nilo foi no Recife uma espécie de deputado potiguar às Cortes de Pernambuco e o florão mais alto dos canaviais do Ceará-Mirim, que cantou em prosa e verso.
Escrevendo ao nosso companheiro Enélio Petrovich, Nilo assim se definia:
– Eu sou um canavial que pensa.
Sua evocação do vale foi feita, sobretudo, na página “Manhã da Criação”, toda ela voltada para a saudade de um tempo que passou, mas não morreu e que ele soube sempre reviver, numa evocação imortal (abreaspas):
– A manhã fria e cinzenta restituiu-me o Ceará-Mirim, numa dessas horas bíblicas da criação do mundo. Do alto das torres da igreja o vale aparece numa visão de encantamento.
– A chuva que cai não impede aos olhos do menino ver de longe os velhos engenhos, que se erguem como um testemunho permanente dos privilégios da terra. Tudo ali é de uma beleza poética. Deus há de ter demorado Sua Mão universal sobre o vale, onde é possível reconhecer, ainda hoje, vestígios do paraíso perdido.
– Um vasto silêncio se espraia sobre a cidade. E como é um domingo, as chaminés deixam esparzir sobre o vale a sua fumaça espessa, que tantas vezes levou para os espaços os sonhos de muitos homens que ali viveram e trabalharam. O vale parece dormir, mas é tão forte o seu colorido que a vida, mesmo adormecida, é cada vez mais bela e mais exuberante. O cinzento da manhã, tocado de tonalidades líricas, não supera o verde magnífico do canavial, que ondula levemente, como se fosse tangido por um gênio da poesia. O cenário é simplesmente prodigioso. (fechaspas).
Sempre que lhe escrevia, o mestre Câmara Cascudo sobrescritava no envelope:
– Ilmo. Sr. Dr. Nilo Pereira. Barão do Guaporé.
Depois de entregar-lhe a 10ª. carta, o carteiro não se conteve um dia e perguntou-lhe:
– Dr. Nilo, me diga aqui uma coisa: o senhor é mesmo Barão?
Para Vitória de Oliveira Costa, a quem chamava de “Doutora Ministra”, ele se assinava sempre:
– Nilo Pereira, um Barão decaído, na nobiliarquia cascudeana.
Segundo Jurandyr Navarro, Nilo serviu a dois Estados brasileiros: um de nascimento, o Rio Grande do Norte; e outro de coração, Pernambuco. E acrescentou:
“Nordestinos, fomos irmãos na luta contra o invasor holandês e irmanados nas suas riquíssimas literaturas”.
O nosso estimado colega Veríssimo de Melo, talvez um dos maiores confidentes de Nilo, dá o seu testemunho:
– Com a morte de Nilo, perdi um amigo sabido e humilde, cuja missão na terra foi a de fazer o bem. Se o Papa João Paulo Segundo, algum dia, tivesse escolhido santos nordestinos, Nilo certamente seria um deles.
Numa das muitas cartas escritas para Veríssimo, Nilo confessava que temia muito a morte:
– Não temo o fim biológico, mas a defrontação com Deus, o Supremo Juiz. Sei que não vou para um bom lugar, a menos que, por uma medida de cautela, o santo Professor Ulysses de Góis ou o subsanto Dr. Otto Guerra me dêem, lá para o Céu, uma carta de apresentação.
O genial Voltaire sentenciou:
– Não aceito que as pessoas de quem a gente mais gosta sejam mortais.
Mesmo sendo Acadêmico e “Imortal”, Nilo de Oliveira Pereira soube, ao contrário de Voltaire, compreender a morte, porque a sua fé católica, que lhe abria a porta da vida além da vida, apresentava este mundo como sendo o caminho e o atalho mais próximos para se chegar ao Céu Eterno.
MUITO OBRIGADO.

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