Nilo Pereira foi inegavelmente um grande mestre da palavra. Ele sabia manuseá-la com maestria. Tinha o domínio sobre os vocábulos. Conhecia a fonética de cada um e sabia perfeitamente onde encaixá-las.
E isto é uma arte. Não são todos que têm esta habilidade. Assim escrevendo, Nilo Pereira era não somente um escritor, mas também um poeta da prosa. Ler os livros de Nilo é mergulhar numa piscina literária, é degustar de uma mesa onde há do bom e do melhor, e, principalmente quando ele faz referência a sua pátria: Ceará Mirim.
Não mente quem chama Nilo de poeta. Pois o poeta nem sempre tem a obrigação de escrever seus sentimentos. Sua leitura feita pelo coração vai muito mais além dos olhos e da mente. É algo tão próprio e ao mesmo tempo espiritual, que somente quando o poeta vence a barreira do “ego” consegue transpor para o papel. O grande Nilo teve deveras, vários momentos desta magnitude, desta beleza. Ele vivia cercado por poetas e com certeza foi infectado pelo vírus da poesia. Ademais, sua primeira professora Adele de Oliveira não era poetisa?
Quem leu: “A Rosa Verde”, o romance autobiográfico, compreende bem o que digo. Ele tinha algo formidável quando escrevia. As palavras ganhavam vida e juntas, formavam textos que na forma de prosa pareciam aos nossos ouvidos, verdadeiras pautas musicais. É possível sentir nas palavras do discurso de Nilo, por ocasião da cerimônia de entrega do Guaporé restaurado, em 1979, a história do nosso vale sendo trazida pela suas mãos e tendo um encontro com quem ali estava.
E se alguém não concorda com minha afirmação de que Nilo era poeta, leia “A Manhã da Criação” e se possível faça uma visita a torre da igreja matriz de Nossa Senhora da Conceição, em Ceará Mirim, onde ele teve a visão paradisíaca, e depois diga-me se tenho ou não razão em chamá-lo de poeta.
* * *
No dia 14 de Março de 1979, uma quarta-feira, as quatro horas da tarde, portanto há exatos 30 anos, Nilo Pereira foi orador da solenidade de entrega do MUSEU restaurado que leva o seu nome, na Casa Grande do Engenho Guaporé em Ceará-Mirim. Várias autoridades estavam presentes, dentre elas, o então Governador do Estado Dr. Tarcísio de Vasconcelos Maia, Vice Governador Geraldo José da Câmara Ferreira de Melo e Prefeito de Ceará-Mirim Edgar de Gouveia Varela.
Localizado em pleno Vale verde, no local antes denominado Sítio Bonito, o engenho foi deixado em testamento do Barão de Ceará-Mirim, Manoel Varela do nascimento, a seu genro, Vicente Inácio Pereira e esposa, Baronesa Isabel Augusta Varela Pereira. Construído em meados do Século XIX, o engenho e a casa grande do Guaporé passaram a dar nome ao antigo Sítio Bonito. A casa grande desfruta e se harmoniza com a paisagem circundante. Atualmente o museu encontra-se desativado.
Francisco Martins Alves Neto é escritor.
Patrono da Cadeira 15 da AEL - Poeta Antonio Francisco (Apodi-RN)
Gestor do "Momento do Livro" - projeto de divulgação e valorização do escritor potiguar.
E isto é uma arte. Não são todos que têm esta habilidade. Assim escrevendo, Nilo Pereira era não somente um escritor, mas também um poeta da prosa. Ler os livros de Nilo é mergulhar numa piscina literária, é degustar de uma mesa onde há do bom e do melhor, e, principalmente quando ele faz referência a sua pátria: Ceará Mirim.
Não mente quem chama Nilo de poeta. Pois o poeta nem sempre tem a obrigação de escrever seus sentimentos. Sua leitura feita pelo coração vai muito mais além dos olhos e da mente. É algo tão próprio e ao mesmo tempo espiritual, que somente quando o poeta vence a barreira do “ego” consegue transpor para o papel. O grande Nilo teve deveras, vários momentos desta magnitude, desta beleza. Ele vivia cercado por poetas e com certeza foi infectado pelo vírus da poesia. Ademais, sua primeira professora Adele de Oliveira não era poetisa?
Quem leu: “A Rosa Verde”, o romance autobiográfico, compreende bem o que digo. Ele tinha algo formidável quando escrevia. As palavras ganhavam vida e juntas, formavam textos que na forma de prosa pareciam aos nossos ouvidos, verdadeiras pautas musicais. É possível sentir nas palavras do discurso de Nilo, por ocasião da cerimônia de entrega do Guaporé restaurado, em 1979, a história do nosso vale sendo trazida pela suas mãos e tendo um encontro com quem ali estava.
E se alguém não concorda com minha afirmação de que Nilo era poeta, leia “A Manhã da Criação” e se possível faça uma visita a torre da igreja matriz de Nossa Senhora da Conceição, em Ceará Mirim, onde ele teve a visão paradisíaca, e depois diga-me se tenho ou não razão em chamá-lo de poeta.
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No dia 14 de Março de 1979, uma quarta-feira, as quatro horas da tarde, portanto há exatos 30 anos, Nilo Pereira foi orador da solenidade de entrega do MUSEU restaurado que leva o seu nome, na Casa Grande do Engenho Guaporé em Ceará-Mirim. Várias autoridades estavam presentes, dentre elas, o então Governador do Estado Dr. Tarcísio de Vasconcelos Maia, Vice Governador Geraldo José da Câmara Ferreira de Melo e Prefeito de Ceará-Mirim Edgar de Gouveia Varela.
Localizado em pleno Vale verde, no local antes denominado Sítio Bonito, o engenho foi deixado em testamento do Barão de Ceará-Mirim, Manoel Varela do nascimento, a seu genro, Vicente Inácio Pereira e esposa, Baronesa Isabel Augusta Varela Pereira. Construído em meados do Século XIX, o engenho e a casa grande do Guaporé passaram a dar nome ao antigo Sítio Bonito. A casa grande desfruta e se harmoniza com a paisagem circundante. Atualmente o museu encontra-se desativado.
Francisco Martins Alves Neto é escritor.
Patrono da Cadeira 15 da AEL - Poeta Antonio Francisco (Apodi-RN)
Gestor do "Momento do Livro" - projeto de divulgação e valorização do escritor potiguar.
* * *
14 DE MARÇO
DIA DA POESIA
GUAPORÉ
(Poema jacente e subjacente em discurso de Nilo Pereira)
Autor: Diógenes da Cunha Lima
Guaporé, velho solar
Abandonado nas sombras,
Afrancesado, ruínas,
Visíveis galgos de louça
Vigiam homens de outrora.
Um repuxo d'água canta
Sua cantiga molhada
As estátuas lá em cima
Simbolizando o Trabalho,
Agricultura e Comércio,
Lampiões de cada lado.
Da porta quase desfeita
Um jardim, verde sem fim,
Ladeia a sóbria mansão.
Em frente, a casa de banhos
Semelha simples igreja
Paredes encobrem a nudez
Banhista d'água corrente.
A brisa toma a manhã
E cobre o canavial,
Cambiteiro descoberto
Cantando, vem, bem-ti-vi.
E o neto da casa, sábio,
Os olhos vazando o tempo
Vê coisas, paisagens, gente,
Presenças de antigas eras.
Na solidão animada,
Nos verdes do vale sonho,
Vicente Ignácio Pereira,
Barba à Pedro II.
Reconstrói sua morada.
Suas botas de Senhor
(Desenhos no couro cru)
Pisam no chão encharcado.
Às suas ordens tijolos
E argamassa se casam
Enquanto a cana açucara
No parol, a almanjarra,
Garapa, mel, rapadura,
Rolete, canavial,
Cachaça de bagaceira.
Vicente Ignácio Pereira
Cuida de muitos doentes,
Escreve de experiência
Sobre cólera mortal,
Lê contos, faz jornalismo,
E assegura a vitória
Do Partido Liberal.
Lembra que foi Presidente
Da Província Rio Grande
Na seca mor dos Dois Sete,
Victor de Castro Barroca
Vai por seu mando ajudar
Aos retirantes, no vale.
Vicente Ignácio Pereira
Dá ordens para o passado
E o Guaporé logo expulsa
Seu silêncio espectral.
O salão nobre se enche
Da melhor gente da terra
Em faustos, recepções.
Augusto Meira recita
Seu romantismo, amores,
Juvenal louva com graça
As virtudes da preguiça.
No salão nobre os Barões
Do Ceará-Mirim assistem
A toda festa, ar sisudo,
Nos retratos da parede
Iluminada do espanto
Das arandelas azuis.
Dobé, Izabel Augusta,
Tão caridosa, tão santa,
Interroga: onde é que está
Meu neto Nilo? O engenho
Desmorona com a vida?
Vou morar na Rua Grande?
Na sala azul e conversa
São as cenas da moagem.
História do "São Francisco"
Repetida a toda gente:
No ano sessenta e oito
Insistiram com o Barão
Toda a vantagem haveria
De assumir a P_esidência
Da Província, potiguar.
Demais, estando em Natal
Evitaria a doença
Um surto de catapora
Que assolava no vale.
O Barão pouco pensou
Pra responder, afirmando:
Eu prefiro as cataporas.
E ficou na Casa Grande.
Anoitecendo no vale
Os sinos de uma capela
Tocam chamando o silêncio.
Tia Augusta vai cantar
Para o menino dormir
Cantigas de antigamente.
A vida, a sorte, a madrasta
Carinho de mãe não tem:
"Carpinteiro de meu pai
Não me cortes os cabelos
Que minha mãe penteou,
Minha madrasta cortou
Pelo figo da figueira
Que o Passarim beliscou".
Na sala de rosa cor
Explode o riso das moças
Tia Augusta Vaz Pereira
Toca valsas no piano
De cauda, sons multicores.
Retrato de sinhá-moça
Belinha, Pacheco Dantas,
Encantada mas risonha,
Ama os saraus da família.
Tio Riquete Pereira
Levemente aborrecido
Com leitura interrompida
Fecha o volume de Eça
No sofá, frisos dourados,
De repente, tudo volta:
Pára a moenda, alambiques,
Uma procissão de sombras
Se mistura a todos nós
No mistério da ausência,
Os pirilampos do vale
São círios da noite escura,
O Guaporé remergulha
Na quietude da morte.
O tempo, velho alquimista,
Joga o verde em nossos olhos,
Dá outra vida ao-que-foi
Na beleza restaurada:
Deus caprichou neste vale
Na manhã da criação
Em verde, luz, soledade.
(Poema jacente e subjacente em discurso de Nilo Pereira)
Autor: Diógenes da Cunha Lima
Guaporé, velho solar
Abandonado nas sombras,
Afrancesado, ruínas,
Visíveis galgos de louça
Vigiam homens de outrora.
Um repuxo d'água canta
Sua cantiga molhada
As estátuas lá em cima
Simbolizando o Trabalho,
Agricultura e Comércio,
Lampiões de cada lado.
Da porta quase desfeita
Um jardim, verde sem fim,
Ladeia a sóbria mansão.
Em frente, a casa de banhos
Semelha simples igreja
Paredes encobrem a nudez
Banhista d'água corrente.
A brisa toma a manhã
E cobre o canavial,
Cambiteiro descoberto
Cantando, vem, bem-ti-vi.
E o neto da casa, sábio,
Os olhos vazando o tempo
Vê coisas, paisagens, gente,
Presenças de antigas eras.
Na solidão animada,
Nos verdes do vale sonho,
Vicente Ignácio Pereira,
Barba à Pedro II.
Reconstrói sua morada.
Suas botas de Senhor
(Desenhos no couro cru)
Pisam no chão encharcado.
Às suas ordens tijolos
E argamassa se casam
Enquanto a cana açucara
No parol, a almanjarra,
Garapa, mel, rapadura,
Rolete, canavial,
Cachaça de bagaceira.
Vicente Ignácio Pereira
Cuida de muitos doentes,
Escreve de experiência
Sobre cólera mortal,
Lê contos, faz jornalismo,
E assegura a vitória
Do Partido Liberal.
Lembra que foi Presidente
Da Província Rio Grande
Na seca mor dos Dois Sete,
Victor de Castro Barroca
Vai por seu mando ajudar
Aos retirantes, no vale.
Vicente Ignácio Pereira
Dá ordens para o passado
E o Guaporé logo expulsa
Seu silêncio espectral.
O salão nobre se enche
Da melhor gente da terra
Em faustos, recepções.
Augusto Meira recita
Seu romantismo, amores,
Juvenal louva com graça
As virtudes da preguiça.
No salão nobre os Barões
Do Ceará-Mirim assistem
A toda festa, ar sisudo,
Nos retratos da parede
Iluminada do espanto
Das arandelas azuis.
Dobé, Izabel Augusta,
Tão caridosa, tão santa,
Interroga: onde é que está
Meu neto Nilo? O engenho
Desmorona com a vida?
Vou morar na Rua Grande?
Na sala azul e conversa
São as cenas da moagem.
História do "São Francisco"
Repetida a toda gente:
No ano sessenta e oito
Insistiram com o Barão
Toda a vantagem haveria
De assumir a P_esidência
Da Província, potiguar.
Demais, estando em Natal
Evitaria a doença
Um surto de catapora
Que assolava no vale.
O Barão pouco pensou
Pra responder, afirmando:
Eu prefiro as cataporas.
E ficou na Casa Grande.
Anoitecendo no vale
Os sinos de uma capela
Tocam chamando o silêncio.
Tia Augusta vai cantar
Para o menino dormir
Cantigas de antigamente.
A vida, a sorte, a madrasta
Carinho de mãe não tem:
"Carpinteiro de meu pai
Não me cortes os cabelos
Que minha mãe penteou,
Minha madrasta cortou
Pelo figo da figueira
Que o Passarim beliscou".
Na sala de rosa cor
Explode o riso das moças
Tia Augusta Vaz Pereira
Toca valsas no piano
De cauda, sons multicores.
Retrato de sinhá-moça
Belinha, Pacheco Dantas,
Encantada mas risonha,
Ama os saraus da família.
Tio Riquete Pereira
Levemente aborrecido
Com leitura interrompida
Fecha o volume de Eça
No sofá, frisos dourados,
De repente, tudo volta:
Pára a moenda, alambiques,
Uma procissão de sombras
Se mistura a todos nós
No mistério da ausência,
Os pirilampos do vale
São círios da noite escura,
O Guaporé remergulha
Na quietude da morte.
O tempo, velho alquimista,
Joga o verde em nossos olhos,
Dá outra vida ao-que-foi
Na beleza restaurada:
Deus caprichou neste vale
Na manhã da criação
Em verde, luz, soledade.
Enviado por Lúcia Helena Pereira, a quem agradecemos.
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