
Deitada no quarto que dividia com suas primas, Severina tentava estudar, quando foi surpreendida por recordações do engenho. Entre essas recordações uma a fez deixar os cadernos de lado por alguns instantes:
── Acorde Severina! ── Gritava dona Lúcia, querendo que a filha se levantasse.
Era dia de feira. Ainda estava escuro, mas era costume deles saírem bem cedinho. A menina se acordou meio atordoada com os gritos da mãe, calçou os chinelos que estavam embaixo da rede que dormia e se arrastando foi se ajeitar. Dona Lúcia, sempre aos domingos, ia com dona Tina, sua comadre, comprar umas coisinhas. A caminhada do engenho até à feira em Ceará-Mirim não era cansativa para os adultos, mas as crianças sempre reclamavam que estavam cansadas, principalmente na volta para casa.
A feira acontecia ao redor do mercado público, onde tudo era vendido. A farinha, o feijão, o arroz e outros grãos eram encontrados em caixões de madeira, organizados em círculo sob uma barraca de lona. Havia também as bancas de miudezas, nas quais as mulheres compravam óleo de mutamba para os cabelos, batons, rouges, frisos e tudo que precisavam para se enfeitar.
Dona Nina era antiga conhecida de seu Paulo. Mas a filha dele detestava, quando ela aparecia para comprar. Certa vez, seu Paulo a deixou atendendo a velha freguesa, enquanto foi atender a um rapaz que queria comprar um boné e, disfarçadamente, esta colocou uma latinha de rouge entre os seios e, arregalando os olhos para a menina, fez sinal com o indicador na boca, para que a mesma ficasse calada. Muito pequena ainda, e despreparada para tomar uma atitude numa situação como aquela, Maria obedeceu à ladra. Mas daquele dia em diante, quando ela chegava na banca de seu pai, Maria fingia não percebê-la, para que seu Paulo mesmo a atendesse.
Severina se lembrou desse fato, porque estava sentada à porta de casa no dia em que Nina, às gargalhadas, contou a sua mãe.
── Compre um friso para o meu cabelo, mãe. ── Pediu Severina já o segurando na mão.
── Depois eu compro! Hoje não! ── Respondeu a mãe deixando a filha entristecida.
Era sempre essa a resposta que sua mãe lhe dava. Por isso às vezes não gostava de ir à feira. Lúcia de Pedro não se ocupa com vaidades, ia à feira toda desleixada, afinal só a viagem do engenho até lá deixava qualquer um desarrumado, embora muitas mulheres vestissem suas melhores roupas e enchessem os rostos com maquiagens avermelhadas. Para ela o que não podia faltar era o dinheiro do café que é vendido fresquinho com tapioca dentro do mercado público. De lá se via, bem pertinho, o palácio Antunes, mais tarde doado à cidade para então se tornar a prefeitura. Freguesa de dona Vicência há muito tempo sua passagem por lá é certa. Dona Vicência, com seus cabelos brancos e aquele ar de tranqüilidade tinha uma freguesia fiel. Os locais de café ficavam muito próximos aos de carne e, nas extremidades do mercado, estavam os locais de cereais:
── Bote um café para mim, dona Vicência. ── Pedia sua mãe já puxando o tamborete para se sentar.
── Quer uma ou duas tapiocas? ── perguntava dona Vicência, já pegando a garrafa para servi-la.
── Só uma mesmo. E um bolo de ovos para Severina. ── Respondia a mulher.
Naquele dia, ao lado comia seu Geraldo, um freguês antigo que morava na Jacoca. Dona Vicência já sabia o gosto de fregueses como ele. Não precisava nem perguntar. Afinal era um homem de pouca conversa. O bolo de milho com café quentinho era o seu pedido de sempre.
── Não sei como ele não enjoa! Se perguntava Dalva, filha de dona Vicência.
Que tempo bom! Como sua família lhe fazia falta. Estando agora na casa de parentes não era a mesma coisa de estar em sua casa. Sentia falta dos irmãos, das brincadeiras no oitão. Sábado voltaria lá para passar o fim de semana com eles, mesmo que para isso tivesse que ir sozinha.
A rotina do mercado era sempre animada. E essas recordações valiam mais que ouro. ── Pensava Severina, já sonolenta guardando o caderno no camiseiro para voltar à rede e dormir.
(*) Maria Margareth da Silva Pereira é cearamirinense, professora especialista em literatura comparada.
3 comentários:
Ótimo texto professora Margareth. Sou sua admiradora desde os tempos da escola quando fui sua aluna. Você é uma profesoora maravilhosa e inesquecível. Beijos
Lendo o texto de Margarete, fiz uma
viagem ao Ceará-Mirim.Ví as barracas
na feira, encontrei muitos amigos e no Mercado, encontrei Dona Vicência,
pessoa muito querida. No seu box, tomei café com cuscuz, carne guizada e batí àquele papo com D. Vicência. Foi maravihosa essa viagem que fiz lendo o belo texto atenciosamente.
Obrigada Margarete. Muito Obrigada.
Um forte abraço.
Parabéns, Margareth!!! Maravilhoso!!! Lendo o Texto, recordo-me das vezes que ia à feira com meu Pai e minha Mãe... Era muito BOM... Gostei muito de ter revivido esta Viagem!!! Shalom!!!
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