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segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

CRÔNICAS SENSORIAIS
6a. LEMBRANÇA
É quase impossível imaginar uma fazenda sem animais. Será que existe? A minha infância foi cercada de bichos, os mais variados que existiam naquela fauna.
Eu era bem pequeno, talvez não tivesse ainda seis anos, papai criava entre tantas vacas, uma que atendia pelo nome de Mocotó. Grande, gorda, boa de leite. Passava o dia solta comendo as gramas do imenso tapete verde, que existia ali e se estendia como vários campos de futebol, era o pasto.
Mocotó tinha uma grande qualidade: era super-mansa, podíamos cavalgar nela, acariciá-la. Um dia estava eu brincando debaixo da tamarineira, sozinho, quando encontro uma mandioca, uma das iguarias preferida por Mocotó. Apanho a mandioca e caminho pelo pasto tentando vê-la. Eis que a vejo lá embaixo, próxima da porteira que dava acesso ao estábulo. Estava como sempre comendo gramas, ruminando.
Aqui começa uma das minhas experiências mais dolorosas, a primeira da minha vida. Levanto o braço e grito imitando o vaqueiro e até mesmo papai quando chamava Mocotó. Tão logo a vaca levanta o pescoço e me ver com aquele tubérculo na mão, saiu em disparada na minha direção. Corria com aquele corpo gigante, de trinta arrobas. A cena deu-me medo e pavor. Pensei que Mocotó iria me atacar, pisotear, chifrar. E a vaca vinha desengonçada, determinada ao meu encontro.
Pus-me a correr em direção à minha casa. Vi que o pequeno portão do alpendre estava fechado, restava-me tão somente atravessar a cerca de arame farpado. Mocotó corria atrás de mim, o som do chocalho anunciava que ela estava ganhando terreno, eu passava os piores segundos da minha vida.
Veloz e com a adrenalina esvaziando por todos os poros, passei por baixo da cerca, rente ao chão e senti quando o arame farpado com aqueles cravos metálicos rasgou minha carne. Eu chorava por medo e por dor. Mocotó parou próxima da cerca, e entre um arame e outro enfiava a língua, babando, respirando em cima de mim aquele fôlego cansado e quente.
Mamãe e tia Benigna vieram me acudir. Ouviram meus gritos. Estava sem camisa, o sangue banhava o dorso da espinha e ao vê-las falei: __ Moxotó queria me comer!
Mamãe tirou a mandioca da minha mão e a deu a Mocotó. Eu fiquei com aquela cicatriz durante muito tempo. A vaca Mocotó não foi a única. Como eu disse acima, outros também existiram. Os cachorros sempre foram presentes. O primeiro deles que recordo nestas minhas lembranças era Xerife. Papai dizia que ele era um cachorro farrista. Às vezes passava dias sem aparecer em casa, possivelmente andava de amores com alguma cadela no cio. Houve um dia em que Xerife saiu para uma destas diligências e nunca mais voltou.
Depois papai criou dois cachorros a quem chamava Jupi e Jupiá. Eles cresceram e se tornaram excelentes cães de caça. Sabiam farejar um peba e capturá-lo. Isto deixava meu pai feliz.
No terreiro que circulava a nossa casa havia sempre galinhas, pintos, patos, perus, galos, quines e pavões, um casal que ostentavam suas caldas abertas num grande leque.
Os perus, aves pretas, cabeças vermelhas, pareciam sofrer de locomoção motora, pois estavam quietos, inertes, e de repente saiam numa disparada e brecavam bruscamente, sempre seguido de um “glu-glu-glu”.
Cena bonita de ser vista era quando dois touros brigavam. As cabeçadas dadas, o toque dos grandes chifres e a expressão tangível da força bruta. Assustadora e fascinante. Quanta maestria naquele espetáculo!
Outros animais possuidores de grande força eram os jumentos, os burros e os cavalos. A eles devem muito o homem do campo. Os jumentos serviam para transportar de tudo, desde que estivessem ornados com a cangalha e sobre esta, cambitos e caçuás.
Os burros eram muitos e viviam a serviço do canavial, trazendo as canas em cargas pesadas, que eram deixadas num lugar chamado “estação”, onde um caminhão recolhia e levava à Usina São Francisco, em Ceará Mirim.
Aos campiteiros cabiam cuidarem dos burros. Finda a jornada daquele dia, eles retiravam as cangalhas, os arreios, os cambitos e os animais saiam em disparada rumo ao rio dos homens, onde eram banhados, saciavam a sede e mijavam relaxadamente naquelas águas correntes.
Meu pai andava a fazenda quase sempre em cima de uma burra. Somente muitos anos depois foi agraciado com um carro. Quando chegava ao meio-dia para almoçar, solicitava a algum morador para tirar a cela e banhar a burra no rio.
Certa vez ouvi meu pai falar para mamãe:
__Este animal de burra só tem mesmo o nome. Pois quando saio para o campo é preciso fazer uso das esporas e do chicote. Quando volto para casa, basta soltar as rédeas e ela vem faceira.
Os bichos selvagens que porventura poderiam aparecer aos nossos olhos era raposa, guaxinim, cobra, jacaré, gato-do-mato e sagüin. Raposa corre ao ouvir um grito, mas se estiver louca, ataca. Sei da história de um homem bêbado, que numa noite escura ao urinar, apareceu uma raposa. Ele gritou. Ela atacou e mordeu a sua genitália, fugindo e deixando-o defeituoso para todo o sempre aquele inválido homem.
Guaxinim bem que papai tentou criar dois, mas eles fugiram na primeira oportunidade. São indomáveis. Gato-do-mato quando se deixava abater, tinha a pele curtida e quase sempre transformada em pandeiro. Os jacarés ainda existem por lá, poucos e escondidos em oleiros ou densas matas de aningas.
Os sagüins ainda vivem por lá, pulando de galho em galho, mordendo árvores e desta forma demarcando seu território. Meu pai não queria saber de maltratá-los. Eles tinham total liberdade para transitar naquelas terras. Curioso é que o sagüin quando morre fica com as mãos entrelaçadas. E era isto que os fazia especial.
Mas, para encerrar esta crônica eu quero escrever sobre um bicho que escutei seu canto muitas noites, mas jamais o vi, o Haja-Pau. Diziam os mais velhos que era uma ave branca e bela, que nunca se deixava capturar. Tinha poderes de encantamento. Outros afirmavam categoricamente que o Haja-Pau quando deixava ouvir seu canto longe, era porque estava perto, e quando o canto parecia próximo, ele estava distante.
“Haja-Pau, haja-pau” repetia sempre à noite. E eu um menino com meus seis anos, adormecia na rede imaginando a beleza que poderia ser e ter o pássaro encantado daquele vale.

Um comentário:

Anônimo disse...

belíssima história, Francisco Neto. parabéns.